[Suspendo a continuação do tema da penhora - que pode, inter alios, conduzir à efectiva perda de milhares de empregos e que, curiosamente, muitos bancários confundem com o contrato de penhor de coisas ou de direitos de crédito (vulgar depósito a prazo ou até de uma carteira de títulos cotados em bolsa), para me referir ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores].
Como democrata não filiado em qualquer partido político, fico triste com certas ocorrências que bem poderiam ser evitadas e deveriam ser evitáveis.
Um tema que poucos poderiam advinhar que quase pendurararia o País, suspender a respiração pela emotividade criada, não como se de uma novela se tratasse... mas pela ansiedade criada pela dureza implícita nos vocábulos utilizados e que não podem nem devem ser ignorados.
O texto é longo, pelo que deixo aqui as conclusões:
1) A norma em causa afigura-se inconstitucional; todavia, segundo noticiado, esta nunca poderia ser declarada pelo simples facto do Presidente Cavaco Silva não ter tempestivamente suscitado a questão: Não o solicitou, como o devia e poderia fazer e, assim. foi ele quem desviou o tema para a área da politica corrente:
2) A dureza dos vocábulos utilizados indiciam uma modificação na relação de confiança institucional, não se podendo concluir a quem se atribuir a principal culpa, se esta existe; mas essa relação tem sido estabelecida com o Governo, órgão que nao se confunde com a Assembleia da República, cuja legitimidade advém de eleições livres;
3) Todos os Partidos parlamentares confirmaram - como bem podiam - o diploma anterior, logo que expurgado de inconstitucionalidades declaradas pelo TC; aqui se incluindo os deputados do PSD eleitos pelas ilhas; a excepção é a abstenção dos demais deputados do PSD, que por imposição de disciplina de voto, mudaram a sua votação de favorável para abstenção, que não de voto contra;
4) Nestes termos e limites, tem-se dificuldade em compreender o drama nacional que o caso está a criar, salvo se for pretexto do Presidente para reforçar a imagem de quem se lhe colou ,,, e que estava demasiado fragilizada perante o próprio Partido e, sobretudo, com pouca credibilidade política perante a opinião pública.
O TEXTO:
Muitos andaram mal nesta matéria - o dedo quase poderia ser estendido a todos - e só assim se pode falar, agora, em quebras de lealdade institucional ou da relação de confiança de natureza institucional entre Governo e Presidência da República, vendo-se mesmo o início de uma ruptura no clima de cooperação institucional.
Se bem me lembro, todos os Partidos representados na Assembleia da República votaram favoravelmente - porventura com criticas pontuais - o diploma inicial. O cidadão limita-se a tomar conhecimento de um facto político raro na nossa Democracia.
Todos os Partidos votaram a favor.
O Presidente da República, cujo «staff» é seguramente de elevada qualidade, decidiu remeter ao Tribunal Constitucional a apreciação de certas normas desse diploma - e foram declaradas inconstitucionais -, logo, necessariamente objecto de reponderação e nova formulação. As declaradas inconstitucionais e não outras... pela razão simples, mas decisiva, de o objecto de conhecimento e julgamento do TC estar delimitado legalmente. Não pode conhecer e, muito menos, exceder o âmbito da consulta, nem conhecer de objecto diverso.
Em linguagem comum e bem portuguesa: poderia estar ali perfeitamente à vista uma norma inconstitucional, mas dela não poderia conhecer por força da Lei.
[À semelhança do sucedido recentementte com o Código do Trabalho: podendo este conter inúmeras inconstitucionalidades, apenas viu, em sede de fiscalização preventiva, ser suscitada uma questão - e, pelos vistos bem, dada a unanimidade do Tribunal Constitucional, o que não é prática corrente. Não podia o TC conhecer de quaisquer outras...]
Claro que o sistema normativo português prevê ainda a institucionalização da designada fiscalização sucessiva...; mas enquanto a preventiva não permite sequer a entrada em vigor na ordem jurídica de uma norma que padece de tal vício, esta, além de ter pressupostos e regime diferente, visa extinguir uma norma que chegou a estar vigente, eventualmente produziu efeitos em relação a outros casos análogos.
Mas este blogue não pode inserir aspectos técnicos que excedam o estritamente indispensável à exposição do pensamento aqui vertido e alinhavalhado e corporizado nestas linhas, em si mesmas, já longas.
Ao invés, bastaria ao Senhor Presidente acrescentar à consulta uma linha ou um §, colocando a questão concreta: não estaremos perante violação dos poderes presidenciais, previstos e regulados na Constituição da República Portuguesa, pela via de mera lei ordinária, isto é, não padece de vício de inconstitucionalidade - e, assim, insusceptível de produção de quaisquer efeitos legais - uma norma de lei ordinária que restringe os poderes presidendiais? Esta restrição existe, pela via de aumentar as entidades cuja audição é obrigatória para a dissolução de uma Assembleia Regional, impondo mais consultas que as necessárias para a dissolução da Assembleia da República?
Esta simples adição à pergunta/consulta ao TC, já conferiria a este legitimidade para apreciar a questão - e só na imprevisível situação de ser declarada constitucional tal norma -, deveria usar então o seu veto político. Como se sabe, este é ultrapassado pela confirmação do diploma em projecto por 2/3 dos Deputados da Assembleia da República, como foi o caso; aquela declaração de inconstitucionalidade é insuprível.
Sucede que, por opção puramente pessoal de Cavaco Silva - não se vislumbra outra razão - não submeteu a tal apreciação uma norma cuja inconstitucionalidade parece evidente - optando por um inesperado discurso à Nação que, de resto, logo ficou confusa quanto à sua oportunidade em momento em que se esperava uma palavra de conforto e até de unidade para fazer face à crise económica, já então instalada.
Com tal opção, remeteu uma questão eminentemente jurídico-constitucional para o secundário terreno da vida política corrente.
Digo, claramente: Cavaco Silva deu... um tiro no próprio pé, pois nunca acreditaria - nem acredito ou acreditarei - que fosse fonte de artificiosa polémica, num momento em que outros e mais preocupantes problemas ocupam o espírito dos Portugueses.
Quebra de relação de lealdade? Por quem? Da parte do Presidente? Da parte do Governo?
E porque não inexistência de tal alegada quebra, salvo se unilateralmente declarada pelo Presidente. As sus palavras indiciam algo, mas disse exactamente o que queria e sabe o alcance que pretende produzir.
As relações institucionais que mantém com o Governo em nada se confundem com a autonomia da Assembleia da República (esta suporta legitimamente o Governo nos termos de eleições democráticas e livres). gostemos ou não do mérito das suas orientações). Como também não podemos ignorar que se o Secretário-Geral do PS - que actualmente é o próprio 1.º Ministro o quisesse - se poderia ter encontrado uma solução de justa composição dos interesses em presença. Totalmente de acordo com Cavaco Silva quando alude que não é o actual Presidente que está em causa.
É o órgão Presidente da República, quem quer que seja a pessoa singular que venha a desempenhar a mais Alta Magistratura.
Eleições antecipadas? Serão vozes do Antigo Regime que apenas querem eleições «à moda antiga»? A voz de Santana Lopes? Mas com que fundamento, se parte do PSD aprovou o diploma e outros só o não fizeram por imposição de disciplina de voto?
Notem que quem escreve este texto está profundamente convicto da inconstitucionalidade da norma que provoca esta agitação. Só que este arrazoador não compreende a sua não submissão à análise abstracta e preventiva do TC....
O que vale por dizer que uma norma ordinária que visa restringir os poderes presidenciais constantes da Constituição da República não foi sujeita ao escrutínio preventivo em sede de fiscalização abstracta e preventiva, por opção exclusivamente do Presidente Cavaco Silva, que assim a desviou para a área da política corrente.
Apesar do discurso à Nação então proferido - se era apenas para o PS haveria outras vias - certo é que aos Partidos apenas competia expurgar o diploma das normas declaradas inconstitucionais.
Assim se fez... e, no plano político, não se pode apontar quebra de lealdade e, muito menos, aceitar a referência de Manuela Ferreira Leite - carente de um encosto influente - a um clima de «guerra».
Deixemos este «palavrão» para Israel e Palestianos ou outros pontos do globo em que morrem crianças vítimas de coisas que ainda nem entendem. Só fala de ruptura institucional ou quebra de lealdade quem puder tirar proveito de tal infunmentada e deslocada afirmação.
E, contra ventos e marés, mesmo do seu próprio partido, a actual lider pode ser acusada de antiquada nos conceitos de casamento ou outros, mas a sua probidade não pode ser questionada por uma questão que tudo aparenta de meramente passageira.
Estranha-se que Cavaco Silva tenha argumentado com a evidente inconstitucionalidade da norma, quando foi acto pessoal seu que obstou à sua apreciação, como podia e até devia, pois jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição.
Logo, a diminuição dos seus (de qualquer futuro Presidente) próprios poderes constitucionais objectivamente vigente a partir do acto da publicação que se seguirá à sua promulgação, poderá produzir os normais efeitos jurídicos, sem prejuízo de, caso a caso, poder ser suscitada, por quem tiver interesse legítimo, a questão da inconstitucionalidade da norma e, com o tempo, se virá a alcançar a declaração concreta e sucessiva da inconstitucionalidade, isto é, estamos apenas a perder tempo e disponibilidade para outras matérias e a deixar para a pena sábia de advogados experientes aquilo que se alcançaria ab initio.
De relevar que o PSD alterou o seu sentido de voto de favorável para abstenção - não votou contra o diploma - e obrigou a disciplina de voto - algo que, pessoalmente, não gosto - os seus Deputados, com excepção dos eleitos pelas ilhas. A estes foi permitido votar o diploma em liberdade e seguramente o fizeram no sentido da aprovação. Com respeito, pergunto: mas que PSD é este que obriga os deputados continentes à disciplina de voto de abstenção - em substituição do anterior voto favorável - e que simultaneamente vê os seus deputados açoreanos votarem favoravelmente? Não será o espelho de políticas partidárias de ocasião?
Certo é que estava na liberdade dos Deputados optar entre a manutenção do seu diploma anterior - apenas com as modificações a operar por via das inconstitucionalidades declaradas - ou a introdução de alteração claramente presidencialmente sugerida ao poder legislativo.
E, neste ponto, não se vacila: não temos um regime Presidencialista. Os Deputados já estão de alguma forma manietados pela própria organização partidária. Não precisam de mais «correntes» que os aprisionem. Devem legislar... se o fazem contra a Constituição, cumpre ao Presidente - e a mais ninguém - suscitar a questão. Cavaco não o fez em relação às específicas normas que tanto barulho estão a dar e prometem continuar, com o Povo confuso no meio da discórdia.
Os deputados do PS optaram pela manutenção do diploma (bem poderiam também ter efectuado a modificação), mas acabaram por transferir o ónus político para ulterior meios constitucionais.
Como os demais deputados, afinal...
Mas se não se deve falar em guerras, também é dispensável falar-se em derrota do PSD, sob pena de, mais tarde, com a esperada declaração de inconstitucionalidade, receberem o troco, porventura mesmo a tempo da campanha eleitoral.
Assim, creio que a questão não tem a dignidade que lhe foi conferida, entendida no sentido de ruptura da relação de confiança institucional. Esta embrulhada não ajuda em nada, é intempestiva e apenas pode servir de pretexto e antecâmara de outros diferendos... numa lógica de cálculo cuja frieza impressiona quem sente o peso da crise económica.
Pior, fazem surgir comentários de saudosos dos tempos da Ditadura... aí, tudo brilharia...
O que, tantos anos decorridos, continua por cumprir na Constituição, com cumplicidade de demasiados políticos é a regionalização, tema de não menor importância que esta e que não pode ser deixado à demagogia de certos políticos de cartaz.