Como disse a propósito da nova acção executiva, os cheques, se pagáveis dentro do mesmo País, devem ser apresentados a pagamento no prazo legal de 8 dias - artigo 29.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.
Esta legislação foi aprovada pela Convenção de Genebra (1) - e estará, em princípio, localizada nos Códigos Comerciais dos Países que a ela não aderiram - como parece ser o caso da nossa vizinha Espanha, com a qual mantemos a maioria das relações comerciais.
Ora, no que respeita à sua revogação (proibição de pagamento), a LUC contém a regulamentação constante do artigo 32.º:
«A revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação
.
Se o cheque não tiver sido revogado, o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo».
Sucede que a nossa melhor doutrina considera o contrato de cheque, sem detalhes técnicos, um contrato exclusivamente celebrado entre o Banco e o seu cliente, mesmo que tacitamente, pela requisição de um livro de cheques.
Daí que o legítimo portador do cheque nenhum direito tivesse contra o Banco que, seguindo as instruções de revogação dadas pelos clientes e as diversas causas apontadas nos regulamentos do Banco de Portugal, se recusasse a efectuar o pagamento, não apondo no cheque a declaração de falta de provisão, antes e apenas a indicação das causas indicadas pelos clientes.
Estas poderiam variar entre as designadas justas causas - perda, extravio ou roubo - até uma variedade de causas, de que se destaca a designada «falta ou vício na formação da vontade» na emissão (criação e entrega) do título.
Neste panorama, alguns funcionários bancários diziam que certos clientes, tinham tantas declarações de revogação, quanto os cheques emitidos e que davam para mais do que uma enciclopédia, apenas faltando a encadernação.
Neste contexto, muitos fornecedores passaram a afixar nas lojas que as mercadorias cujo preço fosse «pago» mediante cheques apenas seriam entregues após a sua boa cobrança, as gasolineiras a indicar que não aceitavam cheques, enfim, o descrédito progressivo deste título de crédito.
Nos tribunais, a jurisprudência não era uniforme, quer na qualificação do crime praticado pelo sacador, mais ainda, e sobretudo, relativa à responsabilidade civil do Banco sacado.
Por isso e por ser da maior importância para a segurança das transacções da vida comercial, se saúda o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 28 de Fevereiro de 2008, ao decidir que os bancos respondem pelas perdas e danos perante o legítimo portador do cheque (vd. a Colectânea de Jurisprudência, (STJ), 2008, Tomo I, pp 11-31).
O acórdão foi lavrado com vários votos contra, o que revela a delicadeza desta temática, ora perspectivada na área da responsabilidade civil e dando a oportunidade ao legítimo portador de ser efectivamente ressarcido pelas perdas e danos - no caso, o avultado valor de que se encontrava desembolsado.
O blog não se pode estender em pormenores de análise técnica (2).
Fica o alerta e a esperança de alteração da conduta dos Bancos e alteração dos regulamentos do Banco de Portugal que são hierarquicamente inferiores e subordinados à lei.
(1) Convenção de Genebra, 19 de Março de 1931, (recebida na ordem jurídica portuguesa pelo Decreto n.º 23 271, de 29 de Março de 1934, e ratificada pela Carta de 10 de Maio de 1934 (publicada em Suplemento ao Diário da República de 21 de Junho de 1934).
(2) Atento a certas opiniões criticas, umas apontando para dar um acentuado teor técnico-jurídico, mesmo em prejuízo do n.º de eventuais leitores, outros apelando a que o conteúdo do blog deve ser curto e breve, sob pena de igualmente não ser lido.