Com o dia dedicado às tarefas familiares... antecipo uns comentários aligeirados sobre dois temas.
1. Já aqui abordei o tema. Os nossos depósitos bancários correm riscos indevidos, alguns mesmo ilegais, sendo o primeiro (mau) exemplo proveniente do Ministério das Finanças.
Entre os Bancos e os clientes é celebrado um contrato de abertura de conta bancária, mas a relação de clientela não se torna perfeita sem a autónoma entrega de valores, em numerário ou em valores a cobrar, vulgo depósito bancário, que é uso acompanhar aquele contrato, mas não é imperativo que o seja.
A partir dos autónomos depósitos, o cliente (individual ou pessoa colectiva) passa a ter um direito de crédito sobre o Banco, o qual será mobilizado nos termos e condições entre ambos convencionados.
O que usualmente se convenciona é, nas pessoas singulares, a eventual pluralidade de sujeitos activos da relação jurídica, em regime de solidariedade ou de conjunção, nada se opondo à existência de contas mistas, ainda que o regime não seja incentivado pelos Bancos habituados a recolher todos os elementos num impresso pré-elaborado e contendo as declarações negociais que os seus juristas vão elaborando, em atenção, entres outros, à jurisprudência que vai sendo elaborada e conhecida.
Este contrato é prévio à elaboração de outros como o relativo a cartões de débito ou de crédito, domínio em que já surgem cláusulas mais contrárias ao cliente consumidor, as quais têm vindo a ser corrigidas pela intervenção da referida jurisprudência e pelo papel das associações de consumidores.
Como o é em relação a contratos de empréstimos para os diversos fins (consumo, habitação, crédito às empresas, etc).
A conta, em si, é um «nada» jurídico, a lei prevê a penhora de coisas (móveis ou imóveis) e de direitos, aqui se integrando a penhora do direito de crédito do cliente sobre o Banco, à semelhança de qualquer outro direito de crédito sobre terceiros (exemplo, a penhora de salários, moderada por despacho judicial); é, pois, apenas o saldo credor nela integrada contabilisticamente, em regime de conta corrente (que não se confunde com o contrato de conta corrente mercantil previsto na nossa legislação comercial).
Contabilidade que pode mesmo estar errada, até por um lançamento a débito sem fundamento legal bastante.
O bem jurídico-patrimonial é precisamente o referido direito de crédito, designado na gíria bancária pelo saldo credor. E muitas vezes acontece mesmo que esse saldo é devedor, por força e na sequência de autónomos contratos associados à conta ou cuja prestação de reembolso é efectuada por débito de conta, o que sucede não apenas no crédito à habitação, mas sempre que o cliente autoriza os débitos directos (exemplo, para pagamento da luz, água, telefone, TV, internet, etc), tudo conforme supra mencionado.
Penhorar a conta é, assim, não penhorar um nada, mas a execução fiscal tem regras próprias e enquanto os Tribunais não se pronunciarem sobre cada caso que lhe seja submetido à apreciação, o Fisco causa - ou causava - inúmeros transtornos à vida dos cidadãos, pois o rei vai nú, mas ninguém se atreve a dizer que a penhora é ilegítima e, consequentemente, não pode produzir quaisquer efeitos.
Os Bancos satisfazem tal pedido ilegal e o que sucedia: uma dívida de € 100,00 paralisava um saldo bancário, por exemplo, X vezes superior, tudo ficando à ordem de suas magestades - estas não denunciadas pelo Bastonário da OA - para eventual satisfação de pequena dívida e, em qualquer caso, em violação de princípios de justiça material e da proporcionalidade, bem como de normas processuais que só pela prévia intervenção de juiz se alcançaria. É que, definitivamente, só deve ser objecto de penhora o que necessário se mostrasse ao cumprimento da dívida fiscal ou dívida de direito privado acrescido das custas processuais.
Deliberadamente, não os machuco com preceitos legais, mas o mal ia mais longe: efectuada a penhora, mesmo que se creditasse a conta por novos valores, a dita «conta» permanecia penhorada, com o entendimento de «congelada» - que cremos apenas válida no âmbito penal - pelo que o cliente não podia dispor do seu legitimo património.
E daí, novos incumprimentos contra sua vontade e de perigosos efeitos (ex: perda da bonificação da taxa de juros, vencimento e imediata exigibilidade de todo o crédito que passava a vencer juros às elevadas taxas moratórias legalmente previstas para os créditos bancários e das empresas em geral).
Daí, a importância da noticia: apenas representa o regresso à beliscada legalidade, à penhora limitada aos direitos de crédito do cliente sobre o banco, necessários e suficientes.
Nem mais um cêntimo.
2. Código do Trabalho. Uma boa prenda de Natal. Ainda que Cavaco Silva se tenha limitado a enviar ao Tribunal Constitucional para apreciação uma das normas inconstitucionais constantes deste diploma «socialista», em manifesto prejuízo dos trabalhadores - muitas outras o deveriam ter sido - a imprensa relata hoje que o Tribunal «chumbou» por unanimidade, o que é raro (decisão de ontem) a norma do Código de Trabalho que alargava de 90 para 180 dias a duração do período experimental para a generalidade dos trabalhadores.
Veja-se, entre outros o Diário Económico e o Diário Digital, pois a noticia deverá constar de todos os meios de comunicação social.
Certo dia, disse alguém em sátira popular a certo tipo de amizades que «quem tem amigos destes, nem precisa de inimigos».
Tratando-se de um diploma preparado por alguém que se proclamou da ala esquerda do partido que usa o nome de socialista, integrado na família social-democrata europeia, todos nos podemos rir agora... sem esquecer o «medo» que a medida causou. A realidade é que se quer tornar tudo precário, como se não bastasse a situação de recibos verdes e contratados a prazo por períodos, mas cujas renovações muito ultrapassam os legalmente previstos. E o exército de desempregados facilita o «salve-se quem puder».
Noto que certas normas podem não ser inconstitucionais e, ainda assim, ser injustas, sendo que o legislador não pode ser insensível à realidade laboral portuguesa, tão longe da Europa em que nos integramos, desde logo em sede mínimo salarial e de desproporção entre este e os mais elevados salários.
Já nem me atrevo a dizer que é a negação de Abril, antes e apenas que estamos na cauda da Europa, mesmo alargada. Classe média quase asfixiada com a habitação, impostos é uma pálida imagem do que usufruiu antes do 25 de Abril. E isto é perigoso...
O resto é mera propaganda de pessoas enriquecidas e muito bem instaladas, em quem o Povo vota com o fervor clubístico, sem rigor e análise critica.
Em qualquer caso, mesmo parcial ... esta é uma boa noticia, já que a prometida criação de 150 000 empregos foi um filme que ninguém viu, pois nunca chegou a ser rodado. Não havia realizador para este filme, nem intérpretes e todos os outros intervenientes indispensáveis à sua realização. Palavras de políticos, afinal, dotados da arte de enganar...
Apenas um socratiano «guião» que nem ele próprio se atreve a reler...
Vai, ao invés, escrever o guião da estabilidade, do risco da mudança, do bom desempenho face à crise internacional inesperada.... quem sabe se assumirá a veste de salvador da pátria.
Entretanto, o crédito não chega às famílias nem às empresas e o mal-parado nos bancos disparou 30%.
Mas isto é matéria para 2009.