Leio com habitualidade os artigos de Mário Soares publicados no DN, pelo reconhecimento da qualidade temática e da importância da opinião, dada a idoneidade intelectual que lhe é imanente, amadurecida pela idade, podendo pela suficiência económica que usufrui, ser autenticamente livre nas suas convicções.
Da aliança entre idoneidade e liberdade, todos somos beneficiários, ainda que não submissos seguidores.
Mário Soares, sendo de uma lucidez cativante e dotado da perspicácia de antecipar caminhos, é alguém de que se gosta pessoalmente e se quer gostar como político. Mas, no plano político, se o admirei antes do 25 de Abril é, nos dias actuais, de alguma forma, custoso.
Claro que mantenho o que dito ficou no intróito. Ainda recentemente infrutiferamente apontou o dedo para o partido que fundou, por condutas desviantes, em nome de um Estado de Direito Social.
E cantamos: «Bravo, meu bem».
No DN do dia 16, dá expressão às seguintes afirmações, que se transcrevem:
« Os Estados desviam milhões, que vêm directamente dos bolsos dos contribuintes, para evitar as falências de bancos mal geridos ou que se meteram em escandalosas negociatas. Será necessário. Mas o povo pergunta: e as roubalheiras, ficam impunes? E o sistema que as permitiu - os paraísos fiscais -, os chorudos vencimentos (multimilionários) de gestores incompetentes e pouco sérios, ficam na mesma? E os auditores que fecharam os olhos - ou não os abriram suficientemente - e os dirigentes políticos que se acomodaram ao sistema, não agiram e nem sequer alertaram, continuam nos mesmos lugares cimeiros, limitando-se a pedir, agora, mais intervenções do Estado, com a mesma desfaçatez com que antes reclamavam "menos Estado" e mais e mais privatizações?»
E sem delongas, continua:
« Pedem-se e pediram-se sacrifícios para cumprir as metas do défice, impostas por Bruxelas. Mas, ao mesmo tempo, os multimilionários engordaram - os mesmos que agora emagreceram na roleta russa das economias de casino - e os responsáveis políticos (os mesmos, por quase toda a Europa) não pensam em mudar o paradigma ou não anunciam essa intenção e não explicam sequer aos eleitores comuns, os eternos sacrificados, como vão gastar o dinheiro que utilizam para salvar os bancos e as grandes empresas da falência, aparentemente deixando tudo na mesma? E querem depois o voto desses mesmos eleitores, sem os informar seriamente nem esclarecer? É demais! É sabido: quem semeia ventos colhe tempestades... ».
Palavras importantes, sérias, argutas, concretas, apropriadas, saibam os destinatários mudar caminho…
E voltamos a cantar, sem que a voz nos doa: Bravo, meu bem!
Cabe agora perguntar se Mário Soares olha também para o umbigo e se, em vida, se questiona a si próprio sobre o «enriquecimento dos gestores públicos» que nomeou para o sistema bancário, a promoção pela via partidária (nenhum dos vários Governos está imune), se já no seu tempo os bancos se socorriam dos paraísos fiscais – não só como meras filiais sujeitas à supervisão prudencial e também jurisdicional, mas também pessoas jurídicas autónomas, de direito estrangeiro, imunes aos Tribunais Portugueses. Se não foi ele próprio quem esteve na origem do regresso de Jardim Gonçalves – agora transformado em fonte de todas as maledicências – e que o vieram a conduzir à Presidência do maior Banco nacionalizado: o BPA, quase esquecido. Se outros, sob a sua bengala ou compromissos de ocasião, com a saída do «Snr. Engenheiro» para o criado BCP, não foram nomeados Presidentes e/ou nomeados para lugares de Administração e, subordinadamente, Directores de elevado mérito substituídos pelos burocratas submissos a quem está no poder e carrascos de quem, ainda que silenciosamente, não era «alinhado»?
Não tenho mandato e a questão é melindrosa.
Mas não saberá o Dr. Mário Soares como foi afastado o Dr. Alberto Luís – sim, o da nossa grande escritora Agustina Bessa Luís – que era – ainda o é - o mais dotado e prestigiado advogado e jurista de Direito Bancário, o que primeiro trouxe esta temática para o crescente papel que lhe é reconhecido?
Ou, o atrevimento de, tendo sido Presidente da República e alcançado lugar na História Portuguesa do séc. XX, ser usado pelo partido - para novas eleições Presidenciais, já com a vetusta idade de 80 anos e com o justo amargo de boca de ser relegado para 3.º lugar nestas eleições - contra a candidatura do seu velho e fiel amigo Manuel Alegre?
Alegando que o fazia para o bem da juventude, este capital mais desvalorizado que as quebras bolsistas e que, no desemprego e sem qualquer sinal de luz, desesperadamente assiste ao passar do tempo?
A opinião pública não esquece este último facto – o outro foi devidamente abafado na gestão corrente da coisa pública – pelo que, embora nos autocarros se comentem os assuntos diários, à luz da informação que nos é «fornecida», há sempre alguém que resiste, que se lembra...
Que bom seria Mário Soares meditar no conteúdo que corporiza nesse texto:
« É demais! É sabido: quem semeia ventos colhe tempestades...»
Com todo o carinho por quem é e será símbolo, mesmo solidário com este escrito, não levo esta aparência de carta até à Fundação Mário Soares.
Ele terá, a justo título, mais com que se preocupar ...