Aguardara pacientemente que a secretária lhe desse permissão para entrar, tendo sido advertido de que apenas poderia ocupar 5 minutos da agenda ocupadíssima do Senhor Director de Pessoal. (1)
- O Senhor Doutor, dá-me licença!? - disse amedrontado em dar o passo seguinte.
- Força, homem, seja bem vindo! O que o trás por cá? Nem me diga que é por causa da avaliação do seu Director. Até nem está má de todo. Apenas precisa de deixar os problemas de casa à porta da empresa e dedicar-se a esta de corpo e alma. De resto, bem sabe que a orgânica foi modificada e agora não disponho de poderes para modificar a avaliação que passou a ser da competência do Director do seu Pelouro.
- Não, senhor Doutor. Eu concordo com tudo e seguirei os bons conselhos prestados. Não perturbaria o precioso tempo do Senhor Doutor por isso.
- Se, assim é, optimo. Então a que se deve esta visita?
- Senhor Doutor, a vida está má, não me queixo do salário, mas os meus filhos cresceram...
- Hummm... mas já lhe disse que os aumentos estão a cargo do seu Director.
- Muito obrigado pela informação que atentamente ouvi. Não é isso. É que gostaria que ele pudesse ter a honra de servir também a empresa!
- Hummm... e sai ao pai ou é dessa juventude louca que anda por aí?
- Posso assegurar que é da mais fina educação, zeloso, cumpridor e muito disciplinado.
- Bem, se assim é, e bem sabe que confio em si, vai pedir aí nos serviços um impresso de candidatura, preenche e entrega pessoalmente â minha secretária. Diga-lhe que é para mim, conforme o combinado.
Assim se procedeu...
Uns tempos mais tarde o senhor Director recebia uma «modesta» lembramça do trabalhador exemplar, que isto de educação e agradecimento é essencial no perfil do trabalhador.E, assim, lá foi esperando que, um dia, também o seu Director se lembrasse de inovar, criar organigramas com locais inúteis mas criadores de postos de chefia.
O senhor Director de Recursos Humanos telefonou ao Director e informou que, quanto mais sofisticada fosse a organização do seu Departamento, mais poder e influência o Director teria no seio da empresa. Mais acrescentou que tinha um funcionário exemplar com todas os requisitos para ocupar lugares de chefia.
Assim, o trabalhador foi chamado para lhe transmitir que para chefiar era preciso saber comandar..
Logo respondeu que determinado Colega nem sempre chegava pontualmente e se tivesse poder hierárquico, ele imediatamente iria aprender a lição.
Foram criadas Secções (chefiadas por quem nunca entendera nada do que lá se fazia, mas mandava) e Divisões que as supervisionavam.
Fácil será imaginar o disciplinado homem saltar logo para chefiar os novos Chefes e passar a ter tempo para se matricular no ensino superior privado
- com a melhoria remuneratória - e sem muito a fazer num lugar já elevado da hierarquia.
Nas ulteriores avaliações, muitos rostos chorosos eram vistos...
Conserva ainda o rosto obediente e quando surge um problema para solucionar, remete-o a áreas técnicas especializadas.
O papel aqui não parou nem um dia, pode garantir perante qualquer entidade supervisora.
Um dos rostos mais chorosos foi visitado por um Administrador que pessoalmente o cumprimentou.
A avaliação melhorou, é agora muito competente na companhia de quem tanto a fez chorar nas avaliações.
E, não obstante a divulgação de que as entradas de trabalhadores estão, congeladas, há quem assegure que aquele menino de ar arrogante, de quem sabe e nada tem a aprender, atrevido nas intromissões, mas com perguntas da mais pura ignorância, é filho do promovido chefe...
(1) Não havia jogos de cartas na internet, nem esta, pelo que estaria a meditar na transformação do Departamento na designação actualizada de «Recursos Humanos».